Autor: Bianca Andretta

Toda história que importa começa antes do verbo.Antes da cena.Antes de qualquer tentativa de explicar o que não cabe numa frase. Começa naquele silêncio onde o mundo decide, sem admitir,quem pertence e quem precisa pedir licença para ser.É ali que o anti-herói nasce —não como símbolo de glória,mas como consequência da desatenção coletiva. Ele surge quando a norma se veste de naturale começa a ditar quais corpos são “fáceis” de lere quais precisam ser traduzidos.Quando a sociedade, com a suavidade de quem não percebe o próprio peso,instala aquela velha húbris:a arrogância de acreditar que só existe um jeito certo de…

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Em 1963, Paul Simon começou a tecer, nota por nota, verso por verso, uma música que nasceria quase por acaso. Quando foi lançada em 1964 por Simon & Garfunkel, The Sound of Silence passou despercebida, mas seu silêncio já carregava uma força invisível. Era o eco de uma época turbulenta: a Guerra do Vietnã, a contracultura em ebulição e, pouco depois, o assassinato de John F. Kennedy — presidente dos Estados Unidos entre 1961 e 1963, lembrado por seu carisma e pelas tentativas de avanços sociais e diplomáticos, antes de ser tragicamente assassinado em Dallas — transformavam o mundo em…

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A neurologia, essa ciência das delicadezas invisíveis, estuda falhas e colapsos que nos atravessam — na fala, na linguagem, na visão, na memória, na percepção sensorial e, por vezes, até na ideia de ser alguém. Com o tempo, as imagens do cérebro ficaram mais nítidas. Mas nitidez, sozinha, não basta. Foi aí que surgiram vozes como a de Oliver Sacks — neurologista que escutava além das sinapses. Sacks propôs a neurofenomenologia do self: uma neurologia que reconhece a subjetividade como parte essencial do diagnóstico. Para ele, a doença não era apenas uma interrupção física, mas um abalo no “quem” da…

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“Macabéa só brilha quando morre. E a gente, quando começa a ser visto?” Tem gente que só aparece depois que vai embora. Tem corpo que só vira presença quando vira ausência. Vidas que só ganham nome quando acabam. Rodrigo, narrador de A Hora da Estrela, diz que “a morte é um encontro consigo”. Mas e quem nunca foi encontrado em vida? Quantas pessoas com deficiência seguem invisíveis, sem que ninguém perceba seu brilho? Macabéa, sombra apagada, palavra engolida, amor não correspondido — só ao morrer vira tragédia, nome, reconhecimento. Essa pergunta incômoda reverbera: é preciso morrer para ser visto? O…

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Maternagem também é resistir com o próprio corpo Começar por aqui não é aleatório. Antes da pauta, do roteiro, da entrevista, da teoria: o corpo. E mais do que isso — o corpo de quem materna. Corpo com dor, com espasmo, com cuidado redobrado. Corpo que não aparece nas propagandas de fralda ou nas capas de revista. Corpo com deficiência. A maternagem atípica ainda é um ponto cego nas políticas públicas, na mídia e até nas conversas entre mães. Quando uma mulher com deficiência engravida ou adota, o que mais escuta é espanto, julgamento e infantilização. O mundo ainda pergunta:…

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O que pulsa por trás do desejo de curar um corpo com deficiência? Onde termina o cuidado e começa a correção? A rizotomia dorsal seletiva cirurgia que corta raízes nervosas para aliviar a rigidez da paralisia cerebral é uma dessas fronteiras. Entre a esperança e o risco, entre o bisturi e a autonomia, há um corpo. É nele que queremos olhar, sentir, pensar. Há corpos que chegam antes das palavras. Corpos que pisam o mundo sob o peso de um veredito imediato: “é preciso fazer algo”. Antes mesmo de descobrirem seus contornos, já são atravessados por metas de correção. Antes…

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Uma jornada sem rede, sem pausa e sem volta até o corpo pedir socorro. Burnout não é só “cansaço demais”. Também não é frescura, drama ou falta de vocação. É uma síndrome reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS): um fenômeno ocupacional causado pelo estresse crônico no trabalho quando esse estresse não é bem administrado, nem por quem o sente, nem por quem o organiza. Três dimensões definem esse esgotamento: o esgotamento emocional aquele cansaço que vai além do corpo. É o corpo que levanta, mas a alma que não vem. A despersonalização a pessoa se desconecta do outro, trata…

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Quando o corpo cala, mas a vida continua dizendo O modelo biomédico tenta enquadrar a vida em códigos. Reduz corpos àquilo que não funcionaria como “deveria”. Rebaixa existências à ausência de norma. Ele é ensinado, aplicado e reproduzido como verdade mesmo quando ignora tudo aquilo que não cabe num laudo: o desejo, a história, o nome, o tempo, o cotidiano, o afeto, o silêncio. É um modelo que trata corpos como desvios. E que se organiza para reparar, controlar ou conter esses desvios mesmo que isso custe escuta, subjetividade ou liberdade. Mas tem gente que atravessa isso sem deixar que…

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A gente cresce acreditando que o amor é uma espécie de linha do tempo. Que chega, uma hora, como um destino certeiro. Nos ensinam que o amor é sequência natural da vida: nascer, crescer, estudar, se apaixonar. Mas algumas de nós — muitas de nós — aprendem cedo que não é bem assim. A verdade é que o amor não é automático. Ele não é promessa, não é garantia, não é igual pra todo mundo. Pra quem tem um corpo fora do roteiro, o amor vem com interrogações. Demora. Dói. Às vezes, não vem. Nos olham com ternura, com cuidado,…

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No Brasil, o acesso a direitos educacionais como acompanhamento escolar, adaptações curriculares ou apoio individualizado ainda depende, em muitos casos, da apresentação de um laudo médico. O laudo, que deveria orientar o cuidado, acaba se tornando condição de acesso — como se fosse preciso provar que aquela criança merece aprender. Esse é o tema do episódio 25 do podcast Diálogos Despatologizantes, em que Rosangela Villar, Bárbara Costa Andrada e Ricardo Lugon analisam como o laudo, ao invés de incluir, muitas vezes separa. A criança como problema Quando uma criança é inquieta ou dispersa, a resposta mais comum é buscar diagnóstico.…

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