Em 1963, Paul Simon começou a tecer, nota por nota, verso por verso, uma música que nasceria quase por acaso. Quando foi lançada em 1964 por Simon & Garfunkel, The Sound of Silence passou despercebida, mas seu silêncio já carregava uma força invisível.

Era o eco de uma época turbulenta: a Guerra do Vietnã, a contracultura em ebulição e, pouco depois, o assassinato de John F. Kennedypresidente dos Estados Unidos entre 1961 e 1963, lembrado por seu carisma e pelas tentativas de avanços sociais e diplomáticos, antes de ser tragicamente assassinado em Dallas transformavam o mundo em um lugar onde tantas vozes queriam falar que poucas eram realmente ouvidas.

A frase que abre a música —
“Hello darkness, my old friend”
(“Olá escuridão, minha velha amiga”)
é simples, mas atravessa décadas com intensidade. Um sussurro que revela a solidão que persiste quando a comunicação falha.

A letra não fala apenas da ausência de som; fala do que acontece quando pessoas coexistem, mas não se conectam. É o mundo onde a incomunicação se faz ouvir: vozes que se multiplicam sem se encontrar, pensamentos presos ao próprio eco.

Relançada em 1965, com novos arranjos e maior alcance, a canção se tornou símbolo de reflexão sobre o que não é dito, sobre o isolamento invisível, sobre o silêncio que comunica sem pronunciar palavras.

Décadas depois, continua atual: mostra que, em meio ao caos, a dificuldade de se conectar permanece, e que o silêncio, paradoxalmente, pode ser o som mais potente que ouvimos.

Incomunicação e Solidão Digital

O silêncio da música não é vazio; é um espaço cheio de significado. Dominique Wolton, especialista em comunicação, diferencia incomunicação de acomunicação.

Incomunicação: é quando percebemos que o outro pensa diferente de nós. Isso é natural, como quando você discorda de alguém sobre uma série de TV; cada um tem sua própria opinião.

Acomunicação: é o fracasso de superar essa diferença, quando ninguém tenta se entender. É o silêncio que dói, como mensagens não respondidas ou a dificuldade de se conectar com alguém próximo.

É nesse limiar que The Sound of Silence encontra seu lugar: o silêncio não é obstáculo, mas oportunidade de reflexão, escuta e percepção.

Nos dias de hoje, essa incomunicação se manifesta em telas e feeds. Estudos sobre solidão, como os da Cigna (2020), mostram que 61% dos americanos se sentem sozinhos — entre a Geração Z, o número chega a 79%. Limitar o uso das mídias sociais, como demonstrou pesquisa da Universidade da Pensilvânia (2018), reduz significativamente os níveis de solidão e depressão.

Em um mundo que nunca para, o que você perde quando não encontra o silêncio?

O som do silêncio, então, não é apenas metáfora: ele reverbera na saúde mental, na percepção e na experiência do isolamento, convidando à presença genuína.

A música traduz, de forma sensorial, algo que a fenomenologia descreve: o corpo é veículo da percepção, e o silêncio se sente mais do que se escuta. Fenomenologia, de forma simples, é o estudo de como percebemos o mundo através dos sentidos e do corpo, e não apenas do cérebro. O silêncio não é apenas ausência de som: ele se sente na tensão dos ombros, no ritmo da respiração e na pulsação do coração.

Exemplos cotidianos aproximam o conceito do leitor: o “ghosting” e o “visto” em mensagens de texto, o isolamento em meio à multidão, ou a comunicação não-verbal — um olhar desviado, um corpo que se fecha, uma pausa longa antes de uma resposta. Em todos esses casos, o silêncio é a parte mais significativa da conversa.

Neurociência e Psicologia do Silêncio

O silêncio é ativo. Rosana Santos, em artigo da revista ComCiência, explica que ele permite ao cérebro reorganizar informações, consolidar memórias e entrar em modo de introspecção.

É aqui que entra a Rede de Modo Padrão (Default Mode Network), uma área do cérebro que “acorda” quando estamos sem distrações externas. Ela nos ajuda a pensar sobre nós mesmos, criar ideias e lembrar de coisas importantescomo a sensação de clareza que sentimos ao caminhar sozinhos sem celular ou ao tomar banho.

Estudos de neurociência — como os de Luciano Bernardi (2006) e Imke Kirste (2013) — mostram que momentos de silêncio promovem relaxamento, consolidam memória e estimulam neurogênese, ou seja, a criação de novos neurônios. Também reduzem o hormônio do estresse, o cortisol, e ajudam o cérebro a organizar informações, melhorando foco e atenção.

Qual é o som que a sua solidão faz?

E é aqui que o Fora do Casulo se conecta: para quem é surdo, mudo ou vive qualquer forma de deficiência, o silêncio não é vazio — é experiência sensorial intensa. Segundo a OMS, cerca de 430 milhões de pessoas no mundo têm perda auditiva incapacitante. Estudos mostram que a comunicação alternativa, como Libras, ativa as mesmas áreas cerebrais relacionadas à linguagem; bailarinos surdos sincronizam-se com a música por vibração.

O som do silêncio, então, é acessível, compartilhável, e reafirma que a deficiência é potência, não limitação.

O silêncio provoca relaxamento, fortalece a memória e ativa corpo e mente. O isolamento — quando ocorre — se transforma em atenção, percepção, presença e conexão. O som do silêncio não é ausência; é ponte entre seres humanos, entre corpos e mentes, entre vozes que não precisam ser pronunciadas para serem sentidas.

Silêncio como Expressão e Potência

Se o silêncio é presença, ele também é criação. Para artistas com deficiência, ele se transforma em ferramenta de expressão e descoberta. Bailarinos surdos, por exemplo, usam vibrações para sentir ritmo e música, mostrando que a percepção do som não depende apenas da audição: o corpo sente, traduz e sincroniza.

O silêncio deixa de ser ausência e se torna instrumento de potência e expressão. A música de Paul Simon ganha novos significados: mesmo para quem não escuta da forma tradicional, The Sound of Silence continua poderosa. Letra, ritmo e vibração das notas criam uma experiência compartilhável, inclusiva e profunda.

O silêncio é ponte para inclusão, convite para sentir o mundo com sentidos expandidos. No Fora do Casulo, essa perspectiva é central: deficiência não é limitação, nem motivo de vitimização, mas expressão de potência singular. O silêncio não é obstáculo, mas oportunidade — de ouvir sem ouvir, de se conectar sem palavras, de criar e se sentir inteiro.

“And the people bowed and prayed / To the neon god they made.”
(“E as pessoas se curvaram e oraram / Para o deus de neon que elas criaram.”)

O que o silêncio nos ensina sobre a presença, sobre o outro e sobre nós mesmos?

O que não é dito, o que não se escuta, também existe; e existe de forma viva, intensa e transformadora.

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