A saúde mental da pessoa com deficiência física ainda é pouco discutida, apesar de atravessar o corpo, o cotidiano e as relações. Muito além da condição orgânica, o sofrimento psíquico é intensificado pelo isolamento social, pela ausência de acessibilidade e, sobretudo, pelo capacitismo — esse modo de reduzir a deficiência a incapacidade.

O silêncio aparece em muitos lugares: na falta de transporte público adequado, na ausência de acessibilidade nas cidades, na solidão que ronda as conversas. E quando não há escuta, sobra espaço para a dor.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (2013), cerca de 1,3% da população brasileira vive com algum tipo de deficiência física. Quase metade enfrenta limitações intensas nas atividades do dia a dia — mas apenas uma minoria frequenta serviços de reabilitação. Essa conta não fecha.

Quando o cuidado emocional é deixado para depois

Uma mulher me contou que ficou um ano em coma. Ao acordar, o corpo já não era o mesmo. A rotina, as relações e até a voz haviam mudado. “Muitos se afastaram. Uns por medo, outros por pena”, disse. O acolhimento que esperava nunca chegou.

Outra compartilhou que, mesmo cercada de apoio familiar, cansou de ser vista como “guerreira”. O peso da imagem da superação também fere. “Nem sempre quero ser forte. Às vezes só quero existir sem precisar provar nada”, desabafou.

Já uma terceira encontrou recomeço na psicoterapia. Depois da perda dos pais e de uma depressão severa, a escuta profissional foi o que lhe devolveu afetos — e a própria vida.

Profissionais também acolhem o invisível

Márcia, fisioterapeuta com duas décadas de atuação, contou que, muitas vezes, o que mais oferece não é técnica, mas presença.

Gabriel, também fisioterapeuta, relatou como a pandemia ampliou o uso de práticas integrativas, como a terapia neurosomática, que trata dores físicas relacionadas a emoções acumuladas.

Uma psicóloga destacou ainda os impactos do isolamento: sem acesso à terapia, muitos pacientes com deficiência enfrentaram perdas funcionais, crises de ansiedade e dores agravadas.

Profissionais que atuam nesse campo sabem: cuidar da mente é tão urgente quanto ajustar uma órtese ou receitar um medicamento.

Quando a escuta vira rede

Há lugares onde o cuidado acontece. Os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) fazem parte da rede pública e oferecem escuta e acompanhamento. Em universidades, clínicas-escola de psicologia também acolhem de forma gratuita e potente.

Mas não basta serviço: é preciso vínculo. Acolher não é favor — é compromisso humano e político.

Falar de saúde mental da pessoa com deficiência é romper o silêncio. É abrir espaço para histórias que não cabem em diagnósticos ou slogans de superação. Porque por trás da deficiência existe alguém inteiro, complexo e sensível — que também adoece, que também quer viver.

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